Monark provavelmente não quis dizer o que você pensa que ele quis dizer — e isso é pior ainda

Pedro G.
4 min readFeb 11, 2022

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Já vou começar com a bomba: é muito provável que o Monark não seja nenhum nazista enrustido. Podem ir lá fuçar a vida toda do cara, acho difícil que ele seja ligado a uma célula neonazi ou, sei lá, colecione memorabília do terceiro reich. Então por que é que ele gastou toda a sua munição (e perdeu) defendendo ao vivo, para milhares de pessoas, a criação de um partido nazista brasileiro? Bem, porque Monark ama amar os Estados Unidos da América.

Sim, os Estados Unidos. A Terra dos Livres, da Estátua da Liberdade e lar dos maiores inimigos do nazismo que já se teve notícia, segundo Hollywood. É que no país que roubou sua terra dos nativos e seu nome de um continente, o conceito de liberdade é um pouco extremo. Lá, significa tanto, tipo, votar em quem você quiser quanto, se for a sua onda, ser abertamente nazista. Ou racista. Ou carregar uma arma na cintura sem motivo algum.

É essa “liberdade”, sem qualquer delimitação oficial ou consideração pelo bem-estar alheio, que garante que organizações como a NRA sejam intocáveis, mesmo com toda a violência civil causada pelas armas de fogo que elas defendem. Um pensamento que, através de uma lógica bizarra, também avalizou leis de segregação racial, perseguição de imigrantes, extermínio de povos originários e tanto mais.

É desse conceito de liberdade irresponsável, também, que vem o termo “libertário”, ou “liberal”, pais do “neoliberalismo” que a gente tanto escuta falar. Nesse caso, a ideia é transportada para a economia e a política, criando um cenário onde é permitido aos "vencedores" enriquecer sem limites nem escrúpulos, com os perdedores relegados à miséria. Sob esse modelo, uma empresa pode crescer até onde seu dinheiro, influência, crédito e poder infinitos permitirem, mesmo que isso destrua o comércio local, indústrias menores e, claro, o meio ambiente. Um meio de comunicação pode veicular todas as informações falsas que desejar, mesmo que isso signifique ignorância e caos. E assim, vai.

O perigo do que foi dito pelo Monark não está bem na ideia da criação de um partido nazista, embora isso seja claramente um absurdo impensável. Mas é que o nazismo, hoje, é frequentemente usado como uma distração, um ideal inatingível de maldade que, por suas características específicas no tempo e no espaço, dificilmente será repetido identicamente. Desde então, outros regimes autocráticos, xenofóbicos, persecutórios, genocidas e violentos existiram na Terra — alguns deles até inclassificáveis dentro do espectro político ambidestro que conhecemos. E desde então, descendentes diretos do nazismo deram as caras em muitos lugares, mas sempre repaginados com outros nomes e rostos. Tem um deles no Palácio do Planalto agorinha mesmo.

O problema real é que, fundado um partido nazista brasileiro, nada pareceria tão mau quanto ele. Como brincou (com muita seriedade) o jornalista André Rizek, seria a carta branca para um partido escravagista, uma liga xenofóbica, a associação dos misóginos, fundação pró-homofobia, etc — todos esses "filhotes" do nazismo que, por não levarem o sobrenome do papai, podem se desvencilhar oficialmente dele. São tumores muito mais cotidianos em nosso país do que imbecis marchando com uma suástica no braço… Para pagar um pauzinho para o imperialismo, Monark defende uma sociedade onde não haja distinção entre o que constrói e o que pode destruir vidas. Vale tudo.

E se esses exemplos parecem extremos, vale tudo também na política e na economia: nasceria o Partido Pró-Colonial do Brasil, a Liga Anti-Regulamentação do Trabalho, o PL que proíbe o voto a pessoas de baixa renda, a emenda constitucional que zera o imposto sobre grandes riquezas e tantas outras ideias que até já aparecem hoje, mas não respaldadas pela legalização do mal absoluto.

De alguma maneira, dá pra medir a força desse respaldo com o que já acontece no Brasil atual. A eleição da família Bolsonaro, do partido miliciano, trouxe uma permissividade perversa que resulta numa realidade cada vez mais sangrenta. Tem de tudo: genocídio, desmatamento, fome, recordes de estupro e violência doméstica… “Opiniões”, que Monark defende que sejam irrestritas, foram diretamente responsáveis por quase 700 mil mortes, inflação galopante, violência urbana, miséria, tragédias naturais e inúmeros vexames para o Brasil.

Essa definição de liberdade, que permite partidos neonazistas, enriquecimento infinito de bilionários e empobrecimento irrestrito do povo, é super conveniente para países hegemônicos como os… EUA. Ela parte do princípio de que o problema está no Estado, que regularia demais, cobraria imposto demais, intermediaria demais. Por isso, precisaria ser destruído. Sem ele, é fácil deixar o funcionamento de um país à mercê das corporações, muitas delas estrangeiras, influenciando e quase que determinando, nessa ordem, sua economia, cultura e tessitura social. Esse processo já acontece, e nós somos um pouco cúmplices dele quando andamos por aí com logotipos no peito e importamos, sem nenhum constrangimento ou moderação, costumes dos países dominantes.

Sem dúvidas, postar GIFs de nazistas sendo socados e escrever frases de efeito no instagram é satisfatório, especialmente porque serve como comprovante público de nosso repúdio a uma ideologia tão grotesca. Menos agradável e muito mais trabalhoso, no entanto, é enfiar a mão na lama e encarar o abismo: nossa ameaça é outra, muito mais inteligente e está mais perto do que imaginamos. Você aí, do lado esquerdo, já se informou sobre economia e política hoje? Ou vai preferir continuar socando para longe um espantalho com um bigodinho ridículo?

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