O Problema com Monark e Joe Rogan

Pedro G.
5 min readFeb 9, 2022

--

É claro que o Monark me irrita. Talvez seja algo nele mesmo, físico ou espiritual, que crie uma predisposição antipática em mim, ou talvez seja o fato de que ele se encaixa tão bem num estereótipo: o da pessoa privilegiada (mais do que frequentemente, um homem branco) tão enamorada por suas ideias que nenhuma autocrítica parece fazer sentido. Ele tem certeza do que diz, mesmo sem nenhum estudo formal ou bagagem a respeito do assunto, e mais certeza ainda de que são coisas que toda gente precisa ouvir. É uma arrogância que somente séculos de privilégios — diretos, indiretos, sutis, escandalosos, espessos, diluídos, novos e antigos — poderiam sedimentar. A imagem de seu baseadinho casualmente aceso, a fumaça bruxuleando sobre suas sobrancelhas arqueadas em triunfo, simboliza fisicamente esses privilégios e essa arrogância.

Sua fala a respeito do nazismo é, na melhor das hipóteses, irresponsável. Na pior, uma tentativa de normalizar e capitalizar um pensamento que só serve a interesses horripilantes. Será Monark um neonazista ou um liberal deslumbrado com sua pretensa liberdade de fazer tudo? Num momento em que o “dinheirão” (ou “capitalismo selvagem” ou “elitismo irredutível” ou “1%”) se mistura tão naturalmente com o autoritarismo, não faz tanta diferença. É tudo quase a mesma coisa e ele, se não sabe, deveria saber.

Antes de mais nada, Monark parece ser um cara sem muita noção do que realmente ele “é”, politicamente. Sua paixão está em expor ideias sem filtro, seu tesão no constrangimento alheio. É o ápice da diversão neo-liberal, falar um palavrão e esperar o papai ralhar.

Também um streamer de games, sua lógica de vida parece seguir ideias encontradas tanto nos jogos quanto nas fantasias mais ofegantes de Ayn Rand: competitividade, soluções objetivas para problemas complexos e sucesso medido por parâmetros tangíveis. Por essa lógica, a babilônia faz sentido. Para que governos, regulamentação, auxílios, welfare, se basta “dominar” o gameplay do capitalismo e vencer?

Talvez não ocorra ao Monark, por ele ser tão tragicamente despolitizado — trágico porque ele, mui ingenuamente, se vê no extremo oposto, como alguém que já crackeou a política e saiu do outro lado —, mas muito pouca gente consegue zerar o capitalismo. Gente como ele, que ganhou algumas “vidas” de presente enquanto servia a algum pretexto, pode perdê-las ao mínimo deslize. O que, bem, aconteceu tão espetacularmente — e não por autoritarismo estatal, mas por decisões unicamente baseadas no dinheiro.

Por outro lado, fiquei triste pelo Flow. Não sou consumidor assíduo de podcasts, mas volta e meia pesco nele conteúdos interessantes de maneira acessível, como numa recente entrevista de um especialista em relações internacionais sobre a tensão entre Rússia, Ucrânia e Otan. Um episódio com o Dianho, aquele tooodo Nicolascagezinho, foi inesperadamente divertido, emocionante e revelador em doses generosas. Tem vários outros que eu passei de lado, mas de orelhas em riste. A voz do Monark podia atrapalhar, mas o Igor 3K parece legal. E para mim, que sou um burro, estúpido, incorrigível fã do horrendo jogo futebol, o Flow Sports é algo que vale acompanhar.

Mas por que essa revelação em tom de quase inconfidência, chegando perto de me desculpar? É que, por uma série de acontecimentos e contextos, o Flow acabou se colando mais à direita. Possivelmente pelas opiniões e questionamentos de adolescente rebelde do Monark, ou pela ausência de desconforto frente a figuras abjetas da direita brasileira. Assim como seu modelo americano e colega de polêmicas, Joe Rogan, parece tranquilo diante de todo tipo de maluco conspiracionista, o Flow não não dá indícios se indignar demais com alguns dos personagens principais da recente derrocada do Brasil. A política de ambos os podcasts é que todo mundo deve ter espaço para falar. Isso pode significar receber personagens intocáveis do imaginário popular, como Rogério Skylab e João Gordo, mas também o Eduardo Bolsonaro.

Pode ser difícil de engolir, mas é um direito deles. Se assim preferirem, podem se posicionar à direita, no centro-direita, na rasgação de dinheiro neo-liberal e até de serem burros como uma porta. Não têm, seguramente, o direito de normalizar e espalhar informações equivocadas e displicentes dobre o nazismo. Mas o resto, numa democracia, sim. E, Ayn Rand suspira novamente, eles que colham o que lhes couber.

As consequências desses atos, desse modelo de negócio e dessas opiniões, combinados ou não, podem ser boas e más: para o Monark, foi a demissão e a humilhação pública hoje, mas até ontem, para ele e para o Flow, foram anos de fama e dinheiro. E algo além: a percepção geral de que se pode recorrer a esse podcast para se informar sobre quase qualquer assunto. Mesmo sendo "de esquerda". Mesmo detestando o Monark.

Algo semelhante acontece com Rogan nos Estados Unidos. Sua política frequentemente é parecida com a do ex-apresentador do Flow, de desdém pelo Estado, incômodo com o “politicamente correto”, obsessão pelo avanço tecnológico e pela “vitória” a qualquer custo. E da mesma forma, seu podcast é um canal aberto para ideias. Tanto as que me agradam quanto as que me causam repulsa.

A verdadeira ameaça de Rogan e Monark — que seguirá tendo seus fãs, agora ainda mais ferrenhos por conta da perseguição que julgarão ter presenciado — não é darem palanque para maluco, especificamente, mas justamente a disponibilidade irrestrita desse palanque. Sua mensagem é a de que não há tabus (bem, alguns há, e é difícil que o nazismo não seja um deles, né?) e sua imagem, a de livres-pensadores.

Para a esquerda, ou o que quer que tenha se tornado a parcela da população que acredita que o Estado deve ser forte para combater desigualdades, fica difícil competir quando qualquer conversa pode estar a uma palavra de escorregar na lama da ofensa. Quando a exposição de ideias frequentemente parece muito mais inquisitória do que educativa. Quando figuras minimamente dissidentes se tornam diabos de nome impronunciável (e que a Tabata Amaral tenha sido a principal antagonista das apologias ao nazismo é de uma ironia finíssima).

Eu adoraria que houvesse mais programas de entrevistas associados à esquerda, onde tivessem coragem encarar com mais franqueza os assuntos que nos embrulham o estômago — talvez como é o do Mano Brown. E não com ironias e sinalizações de virtude, mas seriedade, conhecimento, isenção, combatividade, claro, e, por que não, um tiquinho de empatia por qualquer convidado, por mais maluco que fosse. Onde seria possível aprender sobre economia, culinária ou paraquedismo por um viés político que me agrada mais. Mas no meio do caminho, tem o tabu, sólido como um monolito. E o tabu é hoje a grande força motriz do que se chama de esquerda no Brasil.

O maior trunfo desses personagens da centro-direita neoliberal, como Rogan, como Monark, é que suas maneiras são infinitamente mais cativantes do que as dessa esquerda de intenções tão nobres e trato tão sisudo (e, err, elitista). Verdade ou não, se mostram como pessoas muito mais agregadoras, simples, completas. Humanas. E a gente que não reclame quando, deslizadas imperceptivelmente no meio de uma conversa aleatória sobre qualquer coisa, suas visões políticas também assim parecerem.

--

--